Para desconstruir padrões e idéias mesmas, apresentar o incomum, ousar, usar, expressar. Para dizer o que realmente se sente. Para quebrar a casca. Para libertar-se.
O velhinho de uma narina só e a cara afundada, provavelmente, devido a um câncer tipo aqueles que deu no Freud, ficava de cabeça baixa. Era horrível ficar olhando aquilo.
Depois de muito tempo ali sentado, esperando lendo e ouvindo as reclamações dos que ali também esperavam, alguém grita meu nome da sala 6, vou entrando na sala quando também entra uma enfermeira trazendo para o dr. M. um monte de papel para ele preencher e assinar. Paro no meio da sala e entro em conflito. Não sei se continuo ou se volto e saio da sala esperando a enfermeira terminar o assunto com o dr. decido continuar e sento na cadeira em frente a mesa de atendimento enquanto aquele atende as solicitações da enfermeira e quando esta sai, entra outra e como se eu não existisse toma o dr. para ela por mais uns seis a dez minutos.. chegam até a discutir um caso decidindo que o fulano deveria tomar 30 gotas de não sei o que e ela diz que não tinha não sei o que em gotas e ele manda que seja dado comprimidos... e, enfim ela vai embora e o dr. olha pra mim e diz - bom, agora é sua vez...
Se eu não desse uma ênfase na dor no peito, nem raio-x teria feito. Acontece que ele foi tão apressado com a consulta que me esqueci de relatar as dores de garganta, de cabeça e as dores pelo corpo. Comecei a falar do nariz congestionado e da tosse! Enfatizei a dor no peito e ele mandou-me pro raio-x.
Ao sair do raio-x dei sorte de encontrar o dr. saindo da sala e ele me chama pra entrar, olha a chapa e diz: É... é uma gripe forte. Mas não precisa se preocupar, não é pneumonia.
Dr.,,... então estou dispensado?
Ele responde que sim. Eu lhe peço um atestado.
Ele se esquiva e diz que naquele hospital não se fornece atestado e chama o próximo paciente - certeza que eles fornecem atestado de óbito.
Saí de lá com uma receita de xarope pra tosse e um pouco de analgésico no corpo da injeção que tomei ali mesmo. E continuei acordando ensopado de suor e todos os antigos sintomas por mais dois dias, até que resolvi ir por conta própria na farmácia e tomar uma bezetacil. Aprendi que se você depende dos sistema público, é melhor ser seu próprio médico. Vai tomar o chazinho da vovó ou arrisque a receita do Dr. informal farmacêutico, mas nunca vá a um hospital público.
Em quinze ou vinte minutos chego no terminal rodoviário. O ônibus para o hospital acabara de sair e fico lá mais uns vinte minutos esperando o próximo. Na avenida em frente o terminal, um carro de som anuncia que às 18:00 horas haverá uma manifestação ali mesmo, ao lado do terminal, em protesto ao aumento abusivo da passagem e apontando o prefeito da cidade de ter aprovado tal aumento sem o consenso da população - deduzi que sem o consenso de seus representantes: os vereadores. - O ônibus chega e embarco para o hospital. Dentro do ônibus, pernas engessadas e as velhinhas tossindo sem parar procurando um lugar para sentar, só encontrando quando o cobrador irritado chama a atenção dos passageiros que fingiam não ver a situação.
Chegando no ponto do hospital, ainda tenho que enfrentar uma enorme escadaria até chegar a recepção. Não contei os degraus, mas provavelmente, existem algumas boas dezenas. Vou procurar água pra beber e lá dentro, existe um único bebedouro que não funciona direito e não dá pra matar a sede. Todos os problemas que observo tem soluções práticas e rápidas e não são solucionadas, por isso acredito que todo esse sistema é planejado para ser aversivo e cheio de obstáculos, fazendo o cidadão pensar mil vezes antes de sair para utilizar um serviço público - parece teoria da conspiração, não?
Após passar pela recepção sou orientado a aguardar que me chamem. Sento na cadeira de espera e inicio minha leitura do livro que trouxe. E me sinto um estranho por ser o único a estar lendo um livro dentro do hospital. As pessoas que usam esses serviços não tem esse hábito. Então começo a pensar sobre isso e não consigo me concentrar na leitura. Fico pensando se deveria estar expondo a minha dor e a minha revolta com tudo aquilo, como alguns ali faziam, cochichavam reclamações do serviço e a demora no atendimento. Um cara do meu lado parece muito curioso em saber o que estou lendo, o que também me incomoda. "Será que ele leu essa parte e fez algum julgamento?" O livro é de psicanálise e uma linha sozinha pode ficar muito mal interpretada.
A enfermeira me chama para uma triagem. Ela mede minha pressão arterial e a temperatura, diz que está tudo certo e encaminha-me para o médico. Nisso, o relógio já marca 15:30, mais ou menos. E quando penso que finalmente estarei frente a um Dr., uma nova sala de espera para passar com o médico.
Depois de passar o sábado e domingo deitado na cama com febre, calafrios e uma tosse horrível que me dava a sensação de estar expelindo todos os meus órgãos pela boca, já triturados e em decomposição - o que mais me amedrontava antes de tossir era o latejar da cabeça que aumentava conforme a intensidade da tosse e em certo momento só de pensar em tossir já sentia as agulhadas na cabeça. Éh... Condicionou. Depois de tudo isso, e um recusar constante em ir ao médico - não por medo de injeção, mas pela espera, descaso, aglomeração e todas essas características de hospital público - resolvi, na segunda-feira que iria ao médico pela duração dos sintomas - e também por que não tive disposição para levantar cedo e ir trabalhar e precisaria de um atestado.
Os problemas de se ir ao hospital aqui em minha cidade, no interior de São Paulo, já começam ao sair de casa, e isso não se deve a um mau planejamento na logística da coisa, eu acredito que a logística foi bem planejada, no sentido de dificultar o acesso da população aos serviços públicos e isto é favorável pra eles porque os serviços poderiam estar bem mais superlotados se o acesso fosse facilitado. Aqui, é necessário duas conduções para se locomover por uma distância de aproximadamente 5 km. Uma do meu bairro até o terminal central e outra até o hospital. São os 5 km mais demorados, e também mais caros da região, R$ 2,90 pra ir e R$ 2,90 pra voltar. É isso mesmo, para sair de casa nessa cidade você tem que ter R$ 5,80 na carteira. E se tiver doente em casa, ambulâncias estão sempre ocupadas. Bom, ainda bem que minha mãe tinha um dinheiro, senão eu poderia estar morto agora. Então, depois de adiar e adiar, resolvi que iria ao médico depois do almoço e enquanto almoçava, pensava no sofrimento que é ficar lá aguardando os incontáveis encaminhamentos - você chega e é atendido na recepção, depois é encaminhado para uma enfermeira que depois te encaminha para um médico e ele te encaminha para o raio-x e depois você volta com o médico que te manda pra recepção que diz que o médico te encaminhou para a sala de medicação onde você toma um monte injeção e é liberado meio que quase expulso do hospital parecendo ser você o motivo de todos os problemas do país e tudo isso demora um meio dia bem demorado - peguei um livro bem grosso pra ler na espera lá no hospital e então, lá pelas 13:00 horas, embarquei no "latão" e sai.
Pego a nota de vinte reais que minha mãe me deu e passo para o motorista - que também é cobrador - fico paranoico de medo de um acidente enquanto ele faz as curvas das ladeiras do bairro ao mesmo tempo que conta o meu troco todo em moedas.
é fruto do que me ensinaram a ser
Sendo obrigado
a fazer tudo mesmo sem querer
Quando o passado morreu e você não enterrou
O sofrimento do vazio e da dor
Ficam ciúmes, preconceitos de amor
E então, e então
Mas é preciso você tentar
Talvez alguma coisa muito nova possa lhe acontecer
Minha cabeça
só pensa aquilo que ela aprendeu
Por isso mesmo,
eu não confio nela eu sou mais eu
Sim...
pra ser feliz e olhar as coisas como elas são
Sem permitir da gente uma falsa conclusão
Seguir somente a voz do seu coração
E então, e então
E aquela coisa que eu sempre tanto procurei
É o verdadeiro sentido da vida
Abandonar o que aprendi parar de sofrer
Viver é ser feliz e nada mais
Mas é preciso você tentar
Talvez alguma coisa muito nova possa lhe acontecer
Título: Aquela Coisa
Compositor: Raul Seixas
Album: O Carimbador Maluco